domingo, 30 de março de 2014

Samba do grego doido 2 - A missão

O 2 do título dessa postagem vem daqui por causa desse meu último comentário:
É uma liberdade poética tão grande que fiquei me perguntando: por que não usar os mitos corretamente - que já são deveras interessantes e cheios de reviravoltas - ao invés dessas adaptações livres e sem sentido?
Pois é... nem tenho muito o que dizer de Hércules (The legend of Hercules, 2014), uma mistura de Sansão (10%), o próprio herói grego (20%) e Maximus, o Gladiador de Russell Crowe (Gladiator, 2000). Aliás... depois dos discursos motivadores pré-combates de Coração Valente (Braveheart, 1995), TODO FILME TEM QUE TER? Muitas vezes são desnecessários, maçantes e previsíveis!


Bom... o filme coloca Hércules contra seu pai Anfitrião, um déspota violento (veja a incoerência do nome do vilão com o significado do nome!). O semideus se apaixona pela jovem Hebe de outra cidade (e não a deusa) que Anfitrião quer conquistar. Para evitar mais guerra, a jovem é dada em casamento para o irmão de Hércules, o jovem inseguro e mau caráter chamado Íficles. Só que é preciso tirar o herói de cena: em uma emboscada, ele acaba vendido como escravo de lutas em arenas! Oi?

Já falei até demais do filme. Mitologicamente é péssimo! Como filme é péssimo! Perde momentos e insere boçalidades, como, por exemplo, guerreiros egípcios com armaduras de Anúbis ou um chicote de relâmpagos abençoado por Zeus! Tive vergonha do Leão da Neméia que apareceu e da falta de uso de sua pele. Vem um novo filme sobre o herói que tem alguns dos trabalhos no trailer. Espero realmente que seja melhor e que acabe abrindo os olhos de Hollywood para a beleza e a força da mitologia em si.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Centauro

Na mitologia grega, o centauro é uma criatura com cabeça, braços e dorso de um ser humano e com corpo e pernas de cavalo. Às vezes, têm também as orelhas compridas e pontudas e os narizes chatos característicos dos sátiros.


De acordo com o imaginário mítico dos gregos antigos, a parte inferior dos centauros (cavalo) era a responsável pela força física, brutalidade e impulsos sexuais. Já a parte humana era mais racional, com capacidade de analisar e refletir. Portanto, eram seres que representavam conflitos típicos dos seres humanos: razão, emoção e violência. Frequentemente eram descritos como bebedores contumazes e indisciplinados, delinqüentes sem cultura e propensos à violência quando bêbados. Alguns eram vistos em companhia de Dioniso.

A origem dessa criatura mítica é cercada de ramificações, porém a maioria coloca o criminoso Íxion como ancestral. Pode se fazer referência a eles poeticamente como Ixiônidas. Conta-se que Íxion tentou cortejar a deusa Hera. Zeus criou uma nuvem (Nefele, em grego) com o formato da deusa, conferiu-lhe a existência e se distraiu vendo seu rival desonrar a falsa Hera. Dessa relação foi concebido Kentauros, que depois daria origem a uma descendência a partir do cruzamentos com éguas.

Destes seres, apenas os centauros Quíron e Folo fogem ao estereótipo colérico de seus semelhantes. O primeiro foi fruto da união entre o titã Cronos e a náiade Filira; e o segundo provinha do relacionamento entre Sileno e a ninfa Melos. Portanto, nenhum dos dois era descendente de Íxion, resguardando-se assim de sua truculência.

Cena da batalha entre os Lápitas e os centauros
esculpida no friso do Parthenon, Atenas (Grécia).
Os centauros são muito conhecidos pela luta que tiveram com os Lápitas, provocada pelo intento ébrio do centauro Euration de raptar e violentar a princesa Hipodâmia no dia da sua boda com o Rei Pirítoo. O herói Teseu, que estava presente, ajudou o rei a equilibrar o combate. Os centauros foram expulsos, então, das florestas da Tessália onde moravam e foram habitar o Épiro. Essa história - conhecida por centauromaquia - é uma metáfora do conflito entre os baixos instintos e o comportamento civilizado na humanidade.

Diz-se que o herói Hércules é o responsável pelo extermínio de toda a raça, até mesmo seu mestre Quíron e seu grande amigo Folo. Foi numa visita a Folo que tudo aconteceu. Ao receber a visita do herói, o centauro decidiu abrir uma garrafa de vinho para comemorar. Outros centauros, atraídos pelo aroma da bebida, invadiram a casa onde eles se encontravam e foram alvejados pelo guerreiro que, em sua ânsia de vencê-los, acertou acidentalmente Folo. Quíron também sofreu um ferimento incurável e sacrificou sua imortalidade pela humanidade.

Por ironia do destino (ou divina), Hércules foi morto por uma armadilha de Nesso, o último centauro. Algumas tradições culturais que contam a ascensão do herói ao Olimpo e de seu casamento com a deusa Hebe, dizem que essa união foi uma tentativa de Hera fazer as pazes com o herói e sua filha, que também é dita como mãe dos centauros com Apolo.

Hércules e Nesso, estátua em mármore de Giambologna (1599), Florença

A mitologia também menciona uma tribo de centauros com chifres de touro, nativa da ilha de Chipre. Haviam nascido de Gaia, quando ela foi acidentalmente engravidada por Zeus em sua tentativa fracassada de seduzir Afrodite quando ela acabava de emergir do mar. Os centauros cipriotas eram, provavelmente, espíritos da fertilidade locais, do cortejo de Afrodite, ou sacerdotes da deusa que usavam chifres de boi (cerastas).

Em grego, a palavra centauro significa "picador de touros" e pode ter sua origem nos vaqueiros da Tessália que andavam sempre a cavalo organizando as boiadas. Isto teria intrigado os viajantes que passavam pela região e acreditavam que os homens montados em seus cavalos e pareciam ser um só ser. Em tempos recentes, os centauros propriamente ditos, com corpo de cavalo, são chamados de hipocentauros para distingui-los de seres com corpo de asno (onocentauros), de pégaso (pterocentauros), de boi (bucentauros), de leão (leontocentauros) ou de cavalo marinho (ictiocentauros) citados por bestiários medievais e outros seres centauróides inventados pela literatura de fantasia.

Centáurides coroam Afrodite, mosaico romano.
Ainda que não apareçam nos mitos mais antigos, as centáurides (centauros fêmeas) são também mencionadas na arte e literatura da Antiguidade. Ovídio conta a história de uma centáuride chamada Hilônome que se suicida quando seu amante Cilaro é morto na guerra contra os lápitas.

O décimo signo do zodíaco é Sagitário, representado por um centauro arqueiro. São duas as possibilidades de lenda:

  • Por seus serviços e sacrifício, Quíron teria sido alçado às estrelas como a constelação de Sagitário.
  • Crotos era filho de Eufeme, a babá das musas no Monte Hélicon. Diz-se que inventou o arco e foi o primeiro a usar flechas para a caça. Sempre impressionado com o talento das musas, Crotos não sabia expressar seu contentamento com palavras após as apresentações das deusas e batia uma palma da mão na outra. Por essa razão, é chamado de inventor do aplauso. Após sua morte, as musas pediram que Zeus o colocasse entre as estrelas e ele se tornou Sagitário (corpo de cavalo e arco por ser um exímio caçador e cavaleiro). Alguns representam Sagitário com um rabo curto de bode, porque algumas genealogias colocam Crotos como filho da musa Euterpe com o deus .

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Unicórnio


O unicórnio ("um chifre" em latim) é um cavalo forte, veloz e pode apresentar um temperamento hostil. Sua característica particular é um único chifre espiralado no meio da testa de aproximadamente 45 cm. Em algumas espécies esse chifre é branco na base, preto no meio e vermelho-vivo na ponta. Alguns unicórnios podiam emitir ruídos graves. Algumas lendas ainda descrevem o animal com cavanhaque de bode, pernas de corça e rabo de leão.

Gravura do século XVII.
No chifre reside toda história e pensamentos do unicórnio. Várias lendas dizem que seu chifre possui incríveis poderes mágicos. Um cálice feito a partir dele propiciaria proteção para qualquer um que bebesse nele, além de prevenir contra convulsões, epilepsias e agir contra venenos. Em horas de perigo ou de concentração prolongada o chifre pode apresentar brilho ou esplendor suave. Para a proteção do unicórnio, não podemos ver seu chifre e, por isso, é confundido com um simples cavalo.

Quando adulto, o unicórnio apresentava pelagem branca, mas dourado em sua fase de potro, e prateado durante a adolescência. Alguns podiam apresentar a pelagem da cabeça ou só a crina com coloração vermelha escura. Seus alimentos favoritos eram frutas, grãos maduros, água corrente e folhas tenras de árvores.

O unicórnio representa a força, o poder e a pureza. Ama tudo o que é puro e por esse motivo se conta que quando um unicórnio encontra uma donzela, ele deita-se sobre o colo dela e adormece. Tornou-se símbolo recorrente da virgindade, principalmente, nas artes medievais e cristãs.

A virgem e o unicórnio, afresco de Domenico (1605)

O unicórnio capturado, tapeçaria do séc. XV.
A origem do tema do unicórnio (ou licórnio) é incerta e se perde nos tempos: está presente nos pavilhões de imperadores chineses e na narrativa da vida de Confúcio; faz parte do grande número animais fantásticos conhecidos e compilados na era de Alexandre e nas bibliotecas e obras helenísticas; e foi descrito pelo médico grego Ctésias, em 400 a.C., como sendo um animal nativo de terras indianas.

É bem possível que o mamífero pré-histórico chamada Elasmotério (ancestral do rinoceronte) seja a inspiração. Um ancestral asiático do antílope (oryx) também pode ser a referência. Estudiosos creem que o dente do narval era vendido por antigos mercadores nórdicos como chifre de um animal fantástico como o unicórnio.

Elasmotério em pintura de Heinrich Harder
É frequentemente utilizado em livros e filmes de fantasia (Harry Potter, por exemplo) e acaba ganhando diversos atributos que diferem dos relatos originais. A Constelação de Monoceros é atribuída ao unicórnio.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Pégaso


Perseu no Pégaso para o resgate de Andrômeda,
óleo de Frederick Leighton (1895)
Pégaso é o cavalo mais conhecido das mitologias. Sua mitologia esta conectada ao mito de Perseu e seu combate com a Medusa, pois teria nascido assim que a górgona foi decapitada pelo herói. Alguns dizem que Medusa estava grávida do estupro de Poseidon* e Pégaso saiu do pescoço sem cabeça. No entanto, faz mais sentido mitológico, aqueles que descrevem o sangue da górgona caindo no mar e dessa mistura nascer o cavalo alado de pelagem branca como a espuma do oceano. Quem saiu do corpo decapitado de Medusa foi Crisaor - portanto, irmão de Pégaso.

Belerofonte montado em Pégaso enfrenta a Quimera,
óleo de Peter Paul Rubens (1635).
Belerofonte é outro herói atado à mitologia de Pégaso. Para destruir a Quimera, Belerofonte precisava montar o cavalo alado e só o fez com ajuda de uma rédea de ouro dada pela deusa Atena. Após derrotar o monstro, tentou cavalgar até o Monte Olimpo, mas Zeus enviou uma vespa para picar Pégaso e derrubar o herói. Em seguida, Zeus decidiu colocar o animal à serviço dele e o instruiu a carregar seus raios. No fim, transformou-o em estrelas (Constelação de Pégaso). Por isso, é também considerado o Rei dos Céus, um símbolo de imortalidade, e está ligado às tempestades (a velocidade dos raios e o som dos trovões).


Seu nome vem do grego pëgë, que significa "fonte". O primeiro voo de Pégaso teria sido até o Monte Helicon, onde residiam as Musas, e, para lhes agradar, fez jorrar água da rocha em sua primeira patada no chão. Quem bebesse a água desta fonte (chamada Hipocrene), virava um poeta. Pégaso tornou-se, então, símbolo da inspiração poética e da imaginação. A musa Urânia era sua principal cuidadora.

Pégaso e as Musas no Monte Parnasso, óleo de Caesar van Everdingen (1650)
Pégaso não era o único cavalo alado da mitologia grega. A carruagem de Eos era puxada por dois cavalos alados Lampo e Faetonte. No entanto, a força simbólica de Pégaso era tão grande que muitos dizem que era ele o responsável por puxar a carruagem púrpura da Aurora - uma clara tentativa de unificar as criaturas em torno de um mito para fortalecê-lo.

* Importante ressaltar que Poseidon, deus do mar, também é considerado o deus que criou os cavalos.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sleipnir

Odin montado em Sleipnir chega a Valhalla
(Pedra Tjängvide)
Sleipnir (Sleipner) é a montaria de oito patas de Odin capaz de galopar a velocidades incríveis. Considerado o ser mais rápido entre os planos – podendo viajar por terra, céus e mar –, seu nome significa "suave" ou "aquele que plana".

A lenda de seu nascimento conta que Loki assumiu a forma de uma égua branca e se acasalou com o garanhão cinza Svadilfari, dando à luz a Sleipnir. Loki presenteou seu pai Odin com o cavalo. Montado nele, Odin ia para as batalhas, muitas vezes acompanhado por seus lobos e corvos, e cavalgava pelos céus, rodeado de espíritos dos guerreiros mortos em combate.

Em certa ocasião, Odin emprestou Sleipnir para seu filho Hermod saltar os portões colossais de Niflheim e resgatar o irmão morto Balder. Sigurd teria talhado runas nos dentes do animal para permitir a entrada dele nos diversos reinos.

Gravura de W. G. Collingwood (1908).

Outra história conta que Odin teria ido à casa do gigante Hrungnir em Jotunheim para mostr que tinha o melhor cavalo de todos os reinos. Hrungnir concordou que o deus tinha um belo cavalo, mas afirmou que sua montaria, Gullfaxi, era ainda melhor. Os dois montaram em seus cavalos para apostar uma corridae Sleipnir venceu com facilidade, deixando o gigante e sua montaria a mercê dos aesires nos portões de Asgard.

A representação de suas oito patas é variada. O mais comum é encontrar quatro na frente e quatro atrás, mas existem duas variações: uma em que Sleipnir tem somente quatro patas, mas elas se dividem em duas na altura dos joelhos; e outra em que ele possui seis patas na frente e duas atrás.Sua cor também é motivo de dúvida: preto, branco, cinza e até castanho avermelhado são possíveis.

Ilustração de manuscrito islandês do séc. XVIII.

Estudiosos creem que a construção simbólica do cavalo que viaja pelos diversos planos é a mesma dos xamãs norte-americanos que utilizam animais como guias espirituais. Segundo o folclore islandês, a forma de ferradura do cânion Ásbyrgi, localizado no Parque Nacional Jökulsárgljúfur, no norte da ilha, foi formada pelo casco de Sleipnir. Existe uma estátua do cavalo na cidade de Wednesbury, Inglaterra.

Visão aérea do cânion Ásbyrgi
Estátua de Sleipnir em Wednesbury.